sábado, 14 de dezembro de 2013

SEU RASTRO


São onze da noite

E despeço-me de ti.
Seu horários,
Malucos,
Confusos,
Nos impede do "um pouco mais".

Suspiro e entro me meu quarto,
A solidão daquela casa me invade o peito.
Sinto sua falta.

Deito em minha cama,
Vejo que, novamente,
Esquecida que é,
Deixou seus brincos no meu criado.

No ar,
Teu perfume.
Aquele toque floral,
Um tanto cítrico,
Enche meu peito de saudade.

Em meu travesseiro,
Seu cheiro,
Seu rastro.
Aquele seu cheiro de amor,
Paixão,
Desejo.

Abraço minhas cobertas,
Durmo contigo,
Sem você ao meu lado.

-Por Matheus Schneider

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Rosas Brancas


- Vovô.. de que o senhor sente mais falta nessa vida?

Seu Agnaldo ficou calado por um momento.

- Do cheiro de Dona Carla.

-Ok... Mas se o nome da vovó é Lúcia então quem é Dona Carla?

Ficou em silêncio por um momento. Pareceu refletir sobre seu passado. Daí soltou:

- Dona Carla foi a moça mais formosa de meu município no meu tempo. Era uma tarde de sábado na primavera de 1932 quando eu resolvi dar um mergulho no riacho perto das cachoeiras da fazenda onde meu avô morava, um lugar muito bonito a inspirador. Dona Carla era a filha de um fazendeiro que morava na fazenda ao lado e estava prometida para casamento com o filho do sócio de seu pai. Fui caminhando sozinho até o riacho e lá me deparei com a beleza mais pura, singela e delicada sentada a beira da margem com os pés na água. Aaah... mas que encanto! Meus olhos se deliciaram com tal cena e não perdi a oportunidade de conhecê-la. De início a assustei mas após um tempo já estávamos entorno de uma longa e prazerosa conversa. A cada palavra que saía de sua boca seus lábios se moviam de tal forma a me hipnotizar, suas covinhas na bochecha me deixavam anestesiado e seu olhar produzia um efeito viciante sobre mim. Combinamos de nos ver de novo e de novo e a cada momento ao lado dela para mim era como o paraíso. Um dia, o tempo passou tão rápido que quando percebemos já estava anoitecendo e já dava pra ver o reflexo da lua cheia na água. Foi quando tomei a iniciativa e lhe roubei um beijo e nos amamos a luz da lua. A cada beijo que eu espalhava por seu corpo conseguia sentir seu cheiro de rosas brancas, um cheiro tão doce e cativante que em nenhuma outra vez na vida consegui sentir novamente em nenhuma outra mulher. Aquela foi, definitivamente, a melhor noite da minha vida... Dona Carla! Essa foi a última vez em que nos vimos até o dia de seu casamento. Um mês depois descobri que estava noiva. Tentei de várias formas entrar em contato com ela e no dia do casório lá estava eu na porta da igreja esperando. Vi aquela coisinha mais linda descer do carro e ela me lançou um olhar, de início frio e calculista, até que se encheu de lágrimas, um olhar triste e angustiante, abaixou a cabeça e seguiu em direção ao altar. Foi ai que entendi; ela me amava tanto quanto eu a amei mas aquilo era o certo a se fazer. A partir daí segui em frente com minha vida.

Olhou para a janela e observou as rosas brancas florescendo no jardim. Seus olhos se encheram de lágrimas.


Por Beatriz Bicalho

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

A blusa xadrez



- Veste logo, quero te ver com ela, Vivian!
- Depois eu visto, depois...

Estava me sentindo tão mal e com um aperto tão grande, um pressentimento talvez de que coisas ruins aconteceriam. Ou talvez simplesmente que sofreria, afinal, aquele não era o meu lugar. Era? Não sei, só não consigo entender a lei magnética que me atrai tão facilmente até ela. Depois de insistir que não queria a blusa acabei vestindo e a aceitando. Antes de sair ainda borrifou seu perfume na camisa que guardei como sendo a primeira no armário. No cantinho para ver sempre que o abrisse.

Na primeira briga dormi com a blusa, chorava tanto por ela, mas era aquele cheiro que me fazia pensar que ela ainda estava ali. Na segunda a guardei e não quis ver achando que era apenas aquela camisa que me lembrava dela todo dia antes de dormir. Na terceira percebi o erro porque até mesmo andando sozinha na chuva em meio aos carros eu podia sentir o seu perfume. Na quarta me dei conta de que aquele cheiro e a chuva sempre estariam comigo para me lembrar dela aonde quer que eu estivesse.

- Vivian... Eu não quero brigar. Estou cansada. Vou dormir, boa noite.

Sempre aquele silêncio, e aquele cheiro que me fazia chorar por lembrar do dia feliz em que havia me entregado a blusa. Aquele cheiro de ervas, de alecrim, que perfumava mais que a pele dela, mas sim o vazio no qual eu era deixada tantas vezes...

- Viv? Calma, ok? Vai ficar tudo bem. Eu estou aqui... Eu não parti. Viv? Me escuta, ok? Eu estou aqui! E eu sou louca por você, Viv... Não chora... Me parte o coração te ver chorar. Não sei o que fazer!

Novamente chuva e aquele perfume... Mas dessa vez, bom, não vinha do nada ou da blusa. Por um dia era somente dela que vinha o perfume a me acalmar...



Por Helena Malaquias

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Chêro


C’odorodioso,
Qui’cher’orroroso!
Subac’olioso!
Si’véi’sossegado!
No’sai’de’jeito,
Cachorro’moiado,
Bolo’quemado,
Bain’tomado,
De’coc(ô?)o’ralado.
Ê’chero’danado!
Seu’bafo’ô’amado,
D’ego’e’nganação!


Por Matheus Queiroz

Ode as narinas.


O que te marca?
O que te faz crer que realmente está acontecendo? Acordar de manhã na casa da avó, os momentos que precedem aquela chuva refrescante, aquela pessoa especial... Eis que eu estava ali o tempo todo, sem mim nada seria tão belo. As flores seriam só reles folhas de outras cores. Os cabelos, fios chatos e sem proposito. Os pescoços então chegariam a monotonia do mover. Sou apreciado por uns, incompreendido por outros, se bem sei, estou até onde não deveria, ou é confundível o odor da água que mata a sede.
Eu faço das tua memórias momentos revividos. Ora pois, se não por conta de um perfume, se pode reviver um momento maravilhoso ao lado de quem se amou, e que já não está mais por perto. Eis ai onde eu sou capaz de encurtar as distâncias, fazendo o que parecia impossível, como o “senti-la presente” tão forte quanto necessário para arrancar-te uma lágrima que te fará caminhar mais um tempo com o placebo que te agraciei.
Sou bem dada aos amantes, estes sim sabem me respeitar. Se valem de mim como se fosse um instrumento, que de veras não nego gostar. Ah, que gratidão é flutuar por sobre as cabeças, envolve-las como uma aura de paz, sensualidade, mistério, desejo ou seja lá o que a cabeça do maestro quiser compor. Basta utilizar-se dos sumos, misturar-me, afinar-me, aplacar-me, fortalecer-me, é sim uma arte.
Sou capaz de conferir-te identidade. Como não, dado o teu gosto, é possível te distinguir na multidão apenas por uma brisa que afortunadamente carrega teus ares a quem mereça tal deleite. Escolha sabiamente a fragrância, digo-lhe de aviso, uma vez que essa tornar-se tua, nem tu poderá dissociar- se de tão fiel imagem. Tornar-me-ei parte de você, alcunha que tomam por infâmia mas que me cai bem, impregnarei tua alma até, tua carne.
Sou a natureza a tua volta, sou o teu lugar. Sou o que pesa na partida, sou o que confirma o chegar. Os bichos, são sábios, me tem por parâmetro, garanto que a caça é boa, que o parceiro é saldável, que está seguro, que é chegada a hora de partir. Agora vos que sabeis, me caracteriza, me delimita e me segrega. Aprecia-me em plenitude e perceberás que estou em todas as coisas, e em cada uma delas. Sim, sou uno e sou uma legião, basta saber procurar.


Por Leonardo Leite

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Conjugação verbal do reatamento

Eu (te) cheiro
Tu (me) olhas assustada
Ele (parece) não entender
Nós (nem) ligamos
Vós (tentais) reatar
Eles aceitam (o rompimento)

...
E,
Novamente,
Como em um ciclo,
Você o esquece de vez,
E eu volto a te cheirar.


Por Humberto IV

domingo, 8 de dezembro de 2013

Rústico Ego

Eu sangro dos espinhos da carne
Eu consumo os vermes da escuridão
Eu sou o que a morte discerne
E me alimento sobre o prato da traição

E quando a pútrida rutilância do dia a dia
Me faz um convite à sua nojenta festa
Me contorço sobre a ânsia da gente podre
E me tomo sob o espírito da covardia
A correr para longe - até a floresta
Antes que saque a minha arma do coldre

As memórias vazias que me faz balburdia
Os caminhos negros que me conduzem a ela
Sou tão bem abstido do que a luz me provoca
E os diabos à minha volta - à sombra invoca

Não, não é capaz de relutar à trela
Quem vive escondido aqui sob o alçapão
E vive falando de mentiras a lançá-las como um arpão
Ou vive do cálice a beber o sangue sagrado
Como se fosse embriagado em vinho barato

E volta a regurgitar as tripas da minha prosa
Como se tal palavras fossem tuas - rústicas
De alguma valia sequer ou tão poderosa
Nem me preocupo por fim à penumbra
E nem vou me buscar no mundo da Umbra

Por volta e meia, nada mais me importa
E sigo minha vida vã por aquela estrada torta
Que é feita de pedra afiada e corpos podres
Dos criadores de ideias fantásticas que bebem do odre

Bem - eu não queria - viver aqui e então
Me servir da Carne e do Pão
Que aqueles que sonhavam um dia o consumiram
Pois nesta mesa nenhum deles me serviram
À provar do gosto suave do doce sonho

E as vezes eu queria ser surdo
Só para não me perturbarem enquanto escrevo
E eu queria ser cego - cego ao vácuo
Para não ver fazerem da beleza um esculacho
E muito menos da sociedade o meu papel atrevo
Quer este seja infame, quer seja imundo

E no final, toda a carícia que tu prega
Todo o amor fútil que tu declama
É pego pela peste negra - e se perde
Queimado como as bruxas na chama

Ouvir tua voz só falar mentiras
E deturpar os conceitos da minha lira
Que mesmo ao longe - bem distante
Insiste em ver n'um dia - ao raiar constante

Vai-se minhas esperanças no calor do abismo
Vai-se minhas ternuras refugiarem-se n'um abrigo
E temer uns aos outros é minha imprevista solução
Retomados a carbono e enferrujados na oxidação

Minha beleza não é nada - um infâmio sequer!
Minha sabedoria não é de valia nenhuma
E quando tu se perder nos fúteis braços que te confortam
Vai lembrar das boas palavras minhas que lhe afrontam!


Por Ernst Eskelsen

Tão Dona Ana...


Abri o portão e desci as escadas de Ardósia. Sentia o peso da mochila repletas e livros, o calor da calça do uniforme, e olhava meu tênis desamarrado, enquanto descia o corredor de paralelepípedos, cercado por aquele jardim lindo, cuja melodia de diversos passarinhos soava divinamente afinada.

Do portão baixinho, podia ver aqueles cabelos grisalhos, perfeitamente penteados, com um arquinho, e ainda úmidos.

Parada na porta da cozinha, podia sentir o cheiro da macarronada à lá Nonna, que estava divinamente arrumada na travessa de cerâmica, com pequenas folhas de manjericão enfeitando.

Aconchegada em seu abraço de avó-mãe, seu perfume me invadia as narinas, me trazia conforto, amor, carinho e cumplicidade. Seu sorriso, sempre presente, me recebia da forma mais doce que alguém pode ser recebido para almoçar.

- Tava bom, meu anjo? - Perguntou, enquanto retirava os pratos da mesa.
- Uma delícia, vovó! (Como tudo o que a senhora faz) - pensei.

Levantei, para brincar com os cães. Estava um dia maravilhoso, de fevereiro. Calor, sol, as plantas balançando conforme o ritmo do vento, as cores das flores brincando com os pássaros, diante daquele fundo azul-bebê deslumbrante do céu de fevereiro.

- Filhinha, vem aqui, tem surpresa!

Entrei mais do que rápido! Dei de cara com uma travessa gigantesca de bolinhos de chuva, cobertos com açúcar e canela. Lindos, grandes, cheirosos, quentinhos.
Olhei para a D. Ana, sorri, segurei suas duas mãozinhas (pequenas, pintadinhas, unhas feitinhas e curtas) e dei inúmeros beijos.
Ela, sorrindo, colocou a jarra branca, com grama desenhada, e tampa verde em cima da mesa... O que tinha dentro da jarra? Chá gelado!!!!!
Comemos os bolinhos, conversamos, tomamos o matte gelado e fomos assistir à novela da tarde.
Só me lembro de ter deitado a cabeça em seu colo e adormecido,sentindo seu cheiro doce, de avó carinhosa e especial, e seu carinho em meus cabelos.

- Filha, acorda. São seis e meia. Você vai perder a aula.

Enxergando tudo ainda embaçado, abri apenas um olho e me deparei com meu quarto desfocado e minha mãe me acordando. Sorri.

- O que houve? Você NUNCA acorda sorrindo...
- A vovó, mãe. Sonhei com ela. Acordei sentindo o cheiro dela, como se ela estivesse viva, me mimando, como sempre fazia. Foi tão real, tão aconchegante, tão.... Tão Dona Ana!


Por Gabriela Frota

sábado, 7 de dezembro de 2013

Quem Sabe A Morte

O que seria da Vida, se não a Morte?
Sua única certeza,
Ou quiçá, incerteza.
A vida é incerta.

Quem sabe a Morte,
Em sua figura,
Com belas roupas e seu perfume,
Aquele perfume inconfundível
Que só quem já sentiu,
Sabe o quão suave é.

Morte,
De perto eres tão enigmática,
Fria,
Mas não sabem que trazes o bem.

Cada ser que tu conheceres,
Oh Morte,
Perdoa-lhe.
E quando tu, Morte,
Saber da minha hora,
Busque-me,
Lhe receberei de braços abertos,
Pois o último sabor que me restará
Será o gosto do teu beijo
Que aguardo, sem pressa,
Mas com a vontade que mais me atiça.

Venha, Morte,
Mas não se apresse.
Venha, Morte,
Mas não se acanhe.

Um dia, Morte,
Serei só teu.

Por Matheus Schneider

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Re (morrer)

Morrer. Expirar. Falecer. Perecer. Sucumbir.

Eu nasci. E fui morrendo aos poucos...
Morri de curiosidade ao ouvir falar de você.
E morri de entusiasmo de te conhecer.
E morri sufocada com a força de seu abraço.
E morri de desejo de te beijar.
E morri de vontade de ficar a noite toda no telefone falando coisas sem noção, apesar de ter desligado.
E morri de alegria ao perceber que era recíproco.
E morri de emoção após ouvir aquela declaração.
E morri de tesão mediante aquelas provocações.
E morri de prazer naquela noite que passamos juntos.
E morri de nojo ao descobrir aquela sua verruga esquisita.
E morri de tédio ao assistir aquele seu filme preferido.
E morri de ansiedade com a notícia do nosso apartamento.
E morri de agonia com aquelas suas manias estúpidas.
E morri de preocupação quando você bateu o carro naquela noite chuvosa.
E morri de angustia com seu sofrimento naquele hospital.
E morri de pena de sua fragilidade diante do acidente.
E morri de saudade quando precisou fazer aquela viagem.
E morri de carência em não te ter ao meu lado.
E morri de desconfiança quando precisou ficar até mais tarde no trabalho aquela semana.
E morri de ciúmes com aquela nossa vizinha oferecida.
E morri de emoção quando recebi aquele presente tão inesperado.
E morri de raiva ao discordar de mim e começar aquela discussão tosca.
E morri de vergonha de seus amigos ao perceber como me tratava diante deles.
E morri de fraqueza após limpar toda aquela bagunça sem a sua ajuda.
E morri de espanto ao encontrar aquela mancha vermelha em seu lenço.
E morri de frustração ao perceber que era batom e não era meu.
E morri de desgosto de você.
E morri de ódio por ter me traído.
E morri de desânimo ao perceber que nem ao menos quis conversar comigo sobre aquela mancha.
E morri de arrependimento de tudo ao descobrir que era da vizinha o batom.
E morri de estresse ao descobrir que a vizinha estava envolvida naquele acidente de carro.
E morri de inveja dela por saber que você não era frígido como era comigo.
E morri de depressão em meio a essa situação toda
E morri de medo de te deixar. Apesar de que não foi preciso pois já fez isso por mim.
E morri de tristeza com sua ausência.
E cá estou eu andando, falando, respirando, sorrindo, chorando, sentindo...

..morta.


Por Beatriz Bicalho

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Vozinha

- Vó, você precisa se arrumar para a missa!
- Mas Eduarda, cadê seu avô?

Não sabia o que dizer e nem tinha o que falar. Como explicar? Se ela ao menos soubesse uma maneira de não magoá-la, de fazê-la entender e se lembrar, de fazê-la não sofrer.

- Ele não vai com a gente, vai jogar canastra, vó.

Sempre seca, sempre desviando. O que mais poderia fazer? Já haviam se passado quase dez anos e ela não se recordava de nada. Ela não sabia de nada. Sua avó não entendia que seu avô havia morrido e ela não entendia que sua avó estava lentamente morrendo por dentro.
O barulho do copo caindo. As mãos trêmulas, o choro.

- Vó, o que foi?
- O copo...
- Machucou a senhora, vozinha?
- Eu... Eu... Não, não... Eu não consigo, filha, eu esqueci a receita, eu não sei o que faço...

Doía e ela sabia que doía. Ela envelhecia cada dia mais, os netos repentinamente cresciam, o marido sumia, o cachorro ia ficando grisalho, as árvores secando. Se ao menos Eduarda pudesse fazer algo, como queria tirar a dor do peito dela e pegar para si evitando que ela sofresse, queria chorar, mas precisava ser forte por ela.

- Vozinha...
- Duda... Me deixa ir, é a minha hora

Como negar aquele pedido? No hospital se despediu, nem sabia que estava doente, mas sabia que era aquela a sua hora. Como se tivesse se lembrado de tudo ela aceitou a morte como uma velha amiga. A Eduarda não entendeu, não estava pronta para perde-la, mas ao mesmo tempo se sentia bem por saber que aquela dor que ela estava sentindo passara.


Por Helena Malaquias

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Réquiem


Já faz mais de um ano. Meus dias são escuros, as passadas vacilantes. Por que você foi, por que eu não fui junto? Eu não sei responder a isso, assim como não consigo mais. Eu ia e vinha, ouvia e engolia, respirava e sorria tudo por saber que você me esperava. Tomava minhas cachaças de graça, sorria e agradecia até, por saber que você me consolaria. Agora não mais. O que eu ainda faço aqui. Eu não moro mais na minha casa, nem mais perduro em minha carne. Nada que eu possa fazer me livra, os móveis acumulam lembranças, cada grão de nos dois, em cada canto daquele que já foi nosso bunker, nosso porto seguro contra toda a hipocrisia que tem lá fora. Como eu te amei, amava, amo, e vou amar.
Já não há mais fotos nossas, seus quadros eu cobri, e como pintava. Suas poesias, tratei de guardar. Cada paço nesse apartamento é pesado, de fora dele é doloroso. E a luz que não se apaga. Já tem uma dezena de anos meu amor. Eu já não sou aquele que você se lembra, já não tenho aquela idade. Já não tenho aquela mesma agilidade com que eu tocava suas músicas prediletas, é bem verdade que o braço do violão empenou. Acho que foi umidade, talvez eu devesse tê-lo posto de lado quando eu tentava tocar nossa música e errava sempre na mesma nota, parava, esperando você dizer “não pare, eu estou adorando ouvir você...”. Você não disse mais. E nossos filmes... Os dei a quem quisesse levar, não preciso assisti-los para lembrar de cada uma de suas cenas favoritas, cada momento em que você ria, cada fala que te fazia chorar, agora elas me fazem tão mal. Onde está você, aonde nós fomos parar. Gostaria que soubesse que você me levou junto, acho que sabe, quem ainda não se acostumou fui eu. E meus sonhos, que eram os seus que eu tomei por meus. É bem verdade que mau sonho era realizar os teus, e isso é o meu único sucesso real. Se teu sonho era me fazer feliz. Conseguimos. Por que essa luz não se apaga? O que ainda me falta assistir, nessa nossa peça sem fim, o dueto mais belo já não voltará mais ao palco e meu monólogo se torna cada vez mais sóbrio, monótono, unívoco.
Eis que sou eu um lobo. Vago de dia, sobrevivo como posso, mas a noite me dilacera a carne. Eu acho que quebrei nosso relógio, você gostava tanto desse relógio, e eu o detestava como podia. Ele marcava o tempo que eu tinha que me separar, o tempo que eu ficava longe de você, e quando estávamos juntos ele corria sem freio. Agora o que eu clamo é que ele se mova, ele parece se arrastar de propósito. Sempre que levanto esses olhos velhos...E os paço pela nossa casa, esse relógio se freia mais e mais, como se quisesse que eu tivesse tempo para relembrar em cada detalhe da sua decoração, o quanto você me faz falta. Eu estou cansado, o mundo se cansou de mim, acho que não vão dar falta se eu mesmo for, com a força que você me deixou, eu mesmo apagar a luz.

Por Leonardo Leite

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

97654


- Puta merda! Morto de um lado, morto do outro lado. Tô ferrado. Lutei minha vida toda, trabalhei duro para ganhar meu dinheiro suado, ralei na rua para ser bem-sucedido, tive uma mulher que me amava, filhos exemplares, pra chegar esse ano, que prometia ser ótimo, e eu morro assim. Segundo os médicos, foi uma exesplerose múltipla dos órgãos masculinos vitais. Doença rara, instantaneamente fatal, e sem tratamento nem cura. Ou seja, tive a “sorte” grande de ser o premiado, o vencedor, de uma doença mortal. Ah, nem me apresentei. Meu nome é Firmino, tenho 56 anos, cara honesto, trabalhador, justo e correto. Moro numa casa pequena, mas aconchegante. Agora, to num caixão. Pois é, eu morri. Já tem uma larvinha na minha coxa esquerda alimentando-se da minha gordura. Não sei como tô pensando, ou falando, sei lá o que eu estou fazendo, só sei que nem quando eu to morto eu paro de falar. Meu número é 97654, sou um cara de igreja, homem devoto. Se alguém me bate, coloco a outra face para a mão dele me esculachar. Tenho medo de algumas coisas, como polícia, ladrão e arma. Sou a pessoa mais boa desse universo. Afinal, quem é que atrapalha, quer dizer, ajuda os “veinho” e os “órfão”, e os “pobri”? HAHAHAHAHAHAHAHAHAHA, desculpa, eu não me aguentei. Sabe, é difícil ter que falar certo toda hora, afinal ser exemplo para milhares de pessoas, que depositaram sua confiança em mim, é um trabalho árduo. Quando vivo, tive acusações contra mim, na qual fui tachado de mentiroso, ladrão e desonesto, além de outras coisas que, mesmo quando morto, não convém falar. Mas o que mais me chamavam era de mentiroso. Tipo assim, seu eu falasse tudo isso que eu falei aqui, só que na minha casa, comigo falando que tenho boa família, mulher e filhos exemplares, eles falariam assim: “Olha lá o mentiroso!!!” Diriam que minha mulher era vagabunda, só porque é 37 anos mais nova que eu, que ela só quer meu dinheiro, e blá blá blá. Só baboseira, história pra boi dormir. Mas eu, como uma pessoa límpida e sensata, não mentiria sobre algo tão sério como a morte. Até parece que eu mentiria sobre isso que eu falei, sobre minha integridade e meu caráter. E não se esqueçam do meu número, 97654. Ah sim, tô com sono, trabalhei demais nessa vida, e quero descansar para todo o sempre. Mas só me esqueci de falar uma coisa. Sou, há 34 anos, um homem do povo. Há 34 anos, meu trabalho é ajudar as pessoas, e sempre, em qualquer hipótese, fazer o bem para todos. Há 34 anos, sou deputado estadual. Boa morte a todos!


Por Humbert IV

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Sacrifício

Agachado na mais escura umbra,aperto meu corpo, e sinto as pedras, uma a uma. O frio dantesco calcifica minha carne:
- Por favor, pare! Por favor, pare!
Não há mais dor, por que tudo o é, num mundo de negrume não há contrastes, nem alívios fáceis.
Homens e mulheres desengonçados se atropelam, tragicômicos, cabeças e ombros colidem-se em impactos ocos e burros. Não vejo suas faces, nem sei se são humanos. Ou, talvez, seja eu.
Uma redoma me exila do toque do calor. Ela turva minha visão, e transfigura todos estes sons em ruídos, balbucios animalescos que me dão medo.
Onde está a minha vida?
Eu sou todo ferida,
Aberta,
Gemida.
- Por favor, alguém. Por favor, alguém!
Também não me escutam...
Meus membros não me obedecem, estão enrijecidos. Acho que se pudessem sairiam correndo de mim. Tenho certeza que se eu pudesse, definitivamente o faria.
Sinto nascer, prolongando-se da minha espinha, uma cabeça. Verde, córnea, dentuça.
Seus olhos vultosos e violetas me encaram, espelhando meu rosto.
- Quem é você? Quem é você?
Ele me olha, muito triste.
Seus lábios desproporcionalmente largos se contorcem continuamente, suas narinas excretam um líquido viscoso, negro, que banha meu tórax e me enche de aversão.
De repente, um braço se projeta para fora de sua garganta, estuprando sua boca que se desfalece. O som de sua carne rasgando foi pior que escutar seu abafado grito de dor.
O braço sinuosamente envolve meus ombros. Move-se como uma serpente, desrespeitando os limites de suas articulações e estrutura óssea. Circunda-me, passeando pelos meus músculos atrofiados. Sinto um cheiro venéreo vindo daquela tenebrosidade. Perguntei-me o que poderia exalar um odor tão asco, a resposta me veio instintivamente.
- É o cheiro da morte.
A mão que pendia daquele braço agarra minha garganta, tão forte que sinto dobras de meu pescoço saltarem das nódoas de seus dedos.
E aperta.
Há muito não tenho forças sequer para me mover. Confrontar-me com aquele estrangulamento não me era opção. Entreguei-me. Mergulhei-me na ideia de escapar daquela existência pitoresca.
E fui-me indo,
Esvaindo.
Então, trincando a cúpula de cimento que me trancafiava naquela prisão, uma luz potente, calorosa, invade, cavalgando mil léguas, fertilizando a aridez crua daquele solo azul, primeiro cegando, para após direcionar os seres que faziam a guarda da minha solidão. Eles não mais se esbarravam.
A luz invadiu meu círculo negro, ebulindo com vigor a pele daquele braço que brotava de minha coluna.
O sangue que se estagnava em minhas artérias moveu-se.
Levantei-me.
Reconheci-me.
Um anjo se sacrificou por mim. Salvou a minha vida.
Eu morreria...não...
Eu viveria mil vezes por ele.


Por Matheus Queiroz

domingo, 1 de dezembro de 2013

S.O.C.O.R.R.O





Rio de Janeiro, favela da Rocinha.
Maria do Socorro, voltando da igreja para seu barraco, após mais um dia de trabalho, consegue ouvir, ao entrar no beco que leva à porta de entrada, os berros de seu marido já alcoolizado. Ela respira fundo, pede forças a Deus e entra. Assim que ele a vê, arremessa a garrafa vazia, mirando em sua face. Ela desvia. Ele a olha com ódio queimando em seus olhos, anda em sua direção e, segurando-a pelo pescoço, encosta-a contra a parede de tijolos à vista: “Onde você estava, sua vagabunda?” e antes que ela pudesse responder, ele continua “Quantas vezes terei que repetir que lugar de nega desdentada, parideira de 4 filhos e casada não é na igreja? Você é preta, não é gente. Não tem os mesmos direitos dos outros!” e cospe em sua face, soltando um riso de escárnio. “Vai, piranha, anda logo, antes que eu termine de arrebentar teus dentes! Você tem que levar o bagulho lá pros caras antes das oito horas, e me dar o dinheiro que recebeu hoje! Se é que algum macho quis te comer, nojenta, como você é!”
Socorro, submissa, atende à ordem. Entrega o dinheiro a ele, com as mãos trêmulas, atravessa o barraco de um cômodo, apanha a maconha que está ao lado do papelão onde dorme e dirige-se ao banheiro, fora do barraco, para lavar o rosto da cuspida de seu marido e sair de casa.
Andando pelas ruas, sente-se inferior às demais pessoas. Olha suas mãos repletas de calos e de unhas com esmalte descascado, passa a mão por seu cabelo mal tratado e grisalho, olha seus pés cansados, que já a carregam por mais de quarenta anos, e seus olhos enchem-se de lágrimas.
Ao chegar em seu barraco, após ter cumprido a tarefa que lhe foi dada, depara-se com seus 4 filhos sentados no chão, esperando que ela chegasse, para poderem comer e cuidar do ferimento no pé de seu filho mais novo, que pisou em um dos cacos do vidro da garrafa. Ela põe o feijão para cozinhar e o arroz também, e vai cuidar do pé de seu filho de 2 anos. Seu marido chega, a pega pelos cabelos e dá um tapa em sua face. As crianças, embora acostumadas com tal rotina, assustam-se. O pai as ameaça, manda ficarem caladas e inicia seu culto à tortura de sua esposa.
Socorro acorda com o som do despertador. Levanta-se, arruma seus filhos e manda-os para o colégio. Quando entra em casa, para na frente do espelho, se olha nos olhos e prepara suas três carreiras de pó, sagradas. Apanha sua bolsa, sua bíblia e vai aos pés do Cristo, rezar.
Já com os olhos inchados, de tanto chorar, Socorro levanta a cabeça, olha à sua volta e sente-se um nada. Levanta-se e aprecia, por alguns minutos, a vista do Rio de Janeiro. Vira-se, olha para a estátua do Cristo, e pergunta: “Socorro?”

Com os olhos já cheios de lágrimas, novamente, abaixa a cabeça, pega um pequeno espelho de sua bolsa, olha para si, novamente. Vê as lágrimas rolarem e se pergunta onde foi que se deixou, no caminho que trilhou até agora. Olha fundo em seus olhos e afirma: “Socorro. Maria do Socorro.” E se joga, pondo fim à sua vida de puro sofrimento.

Carta de um Suicida
Findo aqui essa vida miserável de sentimentos. Pontuo finalmente minha inútil existência cinzenta.
As cores já não possuem mais sabores, texturas. A vida já não é mais vida; passou a ser existência, uma penitência, um cárcere de ouro, um fardo em demasia pesado e duro.
O chão é fino, frio, feio, doente, meu chão que criei e não sei como pisar, apesar de ter ensinado o mundo a fazê-lo.
Tudo é como uma nota afinada, pontuada por um acorde em terça. Chorada, marcante, melancólica, só, ambígua, má, bela, porem oca de coisas boas.
As letras com as quais mancho, agora, esse papel, sei que serão lidas, serão fonte de dor e saudade, porém de liberdade.
É com enorme apreço que, lentamente, findo minha errônea existência com esse bálsamo chamado veneno.
Quero minha beleza fria, egoísta, estática, hedonista em minha lápide adornada por vocês.
Carinho e egoísmo.

Por Gabriela Frota

sábado, 30 de novembro de 2013

Uma Pena na Escuridão

Ah! Eu me lembro, eu me lembro!
D'um certo dia, no meu casarão, numa certa hora então,
estava póstumo a escrever, um pássaro negro a porta me vem bater.
Eu olhei, eu olhei, e nada encontrei.
Mas bem no cantinho, escondido da luz do glacial inverno,
me ecoava o som de suas patinhas.
Eram pequeninas, tristes e avoadas.
Porém estrondosas e sábias suas patadas!

Era um pássaro negro que se escondia
ao canto do meu quarto, ali me temia.
Era na tediosa hora, do tedioso dia
Depois de muita escrita corrida
E os meus olhos querendo fechar,
que me encontro ali, magnífico,
com um pássaro na mão.
Tremera tanto o pequenino que nem sei
como voara até aquele canto de chão.

E no dia moribundo, pútrido que eu estava
Tomei o pequeno pássaro que ali na escrivaninha me acalentava
O coloquei do lado da vela para se aquecer
E permanecera ele quieto me vendo,
perguntando o que eu estava a fazer.
"Está curioso o senhor, pássaro?" - eu lhe disse.
E inclinava a cabeça d'um lado a outro e continuara a me observar.
E depois de tanto me incomodar,
tomei o meu braço a o coloquei sobre o papel que estava escrevendo.
"Saia daqui pássaro! Não sabe que nenhum poeta gosta de
que o vejam escrever?" - gritei com ele.

E lá ele permanecia, me olhando,
como se da minha cara estivesse gozando.
Era tarde de outr'ora e já estava ansioso pelo Sol
Ou pela bravada da aurora.
Mas nada me viera. Olhei meu relógio de madeira
E me faltavam algumas horas para matinar.
"Ora, ora" - Me tornei a pensar.
E ali voltava o maldito pássaro a me perturbar.
Pulava de um canto a outro da folha de papel
E me olhava firmemente, me fazendo de réu.

Obra de coisas ruins, obra dele
O pássaro negro que me sussurrava, bicho estranho àquele.
E nada me constava na mente, me fazia pensar
Num pensamento meu, tão somente
Mas lá ele permanecia firmemente! E sem uma palavra a dizer
Numa quietude que só quem tinha muito saber
Me olhava, ele e eu, me olhava.
E me comia com os olhos, só pode!
Nunca vi animal mais sagaz
Ou de olhares tão algaz!
Maldito pássaro! Nada mais!

E eu balançara o braço e ele voara
e foi para o canto escuro do quarto
E lá, de cisma ou outra, me aparto
Dum medo que me tomou tão rapidamente
Dou uns passos a esquerda, longe do canto
Próximo a vela para me deixar quente.
E os olhos dele me espreitavam.
Eu podia saber! Tinha certeza que me olhavam!
Maldito pássaro!

Foi então que vi, suas garras tão vis!
Voando bravamente, me apontou-as diretamente
E plainou, voou, sobrevoou a minha cabeça,
Riu da minha cara descaradamente
E ouvi, sim, eu sei que ouvi
Ele me falar assim:
"Maldito que é! Maldito que és!
Vou levar tua alma para qualquer sorte de convés
Ou para enterrar n'uma lareira
Ou jogar numa vala qualquer de rio à beira!"

De tão desesperado que fiquei
me ajoelhei no chão e rezei
Ao pássaro eu implorei
"Não me levas, não me levas!
Não sabes tu somente o pranto que tenho tido
Todas as noite tão solenemente!
E eu que aqui estou e lá está ela,
Tão longe me parece mais bela,
Não me levas, não me levas!
Pois ainda tenho de vê-la além do que me suportam as léguas!"
E de outr'ora se virou, o pássaro, e nada me falou
Apenas voou para o papel que eu escrevera
E se derreteu em tinta, espalhando-se em formato de caveira
Sobre o papel todo manchado, eu chorei.
Não minto, eu chorei.
Raiara o dia e dela, tão longe, me lembrei!
Maldito pássaro!

Por Ernst Eskelsen




sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Uma lembrança. Uma carta. Um jocker.





Crescemos praticamente juntos e, apesar de a história de sua vida ser resumida em tragédias, não havia motivos para optar por esse caminho. Em uma noite chuvosa qualquer de seus oito anos de idade o pai chegou bêbado em casa e assassinou sua mãe após tê-la espancado com uma garrafa quebrada e em seguida estuprou seu corpo ensanguentado numa tentativa insana de reanimá-la. De minha casa, que era a mais próxima da vizinhança, pude ouvi-lo gritar:
- Geme mulher! Não é disso que você gosta? Geme! Porque não está gemendo??
Quando a polícia chegou Daniels estava encolhido e imóvel debaixo da mesa observando a cena de seu pai bêbado desamidado ao lado de sua mãe ensanguentada, estuprada e morta. Lembro-me que aquilo foi assunto de meses para a cidade e o garoto ele por ir morar com a avó paterna que vivia na rua de cima.
Sua adolescência foi marcada por uma fase de rebeldia e vez ou outra eu ia até a casa de sua avó visitá-lo já que éramos colegas de escola, onde sempre o encontrava desenhando em seu quarto, paredes imersas em desenhos que lembravam naipes, todos muito complexos e meio abstratos.
Eu tinha muita pena de Daniels, ninguém escolhe pra si mesmo contemplar uma cena daquelas e meu coração. Foi numa tarde qualquer depois da escola que sua avó chegou eté mim e disse:
- O garoto não tem salvação! Já incorporou o espírito do pai. Maldito foi o dia em que pari aquela criança. Já não falo mais disso e rezo pra que Deus me leve embora antes que aconteça outra desgraça. Fique o mais distante possível dele, sua mente é perversa, maquiavélica, instável, furiosa!
Sem dizer uma palavra sequer, me retirei dali no exato momento.
Na saída, hesitei em olhar pra trás mas acabei por não me conter. Maldita curiosidade! É claro que ele ouviu o comentário de sua avó e seu olhar ameaçador agora me deixou com calafrios.
Sentia em cada arrepio de meu corpo o mal de dentro do coração daquele de Daniels.
Aquele instante não saiu de minha cabeça e o sono acabou por não me visitar aquela noite. Não era pra menos. As batidas de meu coração dispararam ao ouvir sirenes vindas da rua de trás no meio da noite. Me levantei no mesmo instante e desci até lá para saber o que ocorreu, desesperado perguntei a vizinhança o que aconteceu e dentre as diversas vozes que conversavam desesperadas ao mesmo tempo consegui ouvir:
- O garoto é um insano! Matou a própria avó exatamente da mesma forma que o pai matou a mãe! Completamente louco! A polícia deve encontrá-lo o mais rápido possível, é uma ameaça para todos nós!
Mantive-me paralisado por um instante até concluir que eu também era uma ameaça a ele. Meu Deus! Corri para casa o mais depressa que pude e ao chegar lá percebi que havia algo errado. Corri ao quarto de Catharine, minha irmã mais nova, e me deparei com a cena mais aterrorizante de minha vida, morta nos braços daquele maníaco de forma brutal, minha doce e inocente irmãzinha rasgada e ele apenas sorria, sorria como alguém que acaba de ouvir a melhor piada de sua vida, sorria. Soltei um berro em meu desespero.
- Nãããããããããão!!! Seu maldito!!! Porque fez isso?
No mesmo instante quebrei o vidro do espelho ao meu lado e com os cacos pulei em cima dele. Sentia minha pele rasgar e sentia e me sentia rasgando algo também. Ao cair minha ficha e o momento de desespero desenfreado ir embora me encontrei imobilizado. Havia muito sangue em minhas mãos e parte deste pertencia àquele monstro. Seu rosto estava completamente ensanguentado e suas bochechas rasgadas de um lado ao outro. Ele se olhava no espelho e sorria, apenas sorria. De repente lançou um olhar sobre mim e disse:
- Mas porque tão sério?
Se levantou e foi embora. Me encontrei em prantos e acolhi o corpo de Catherine numa esperança tola de que ela pudesse tornar a viver. Embaixo dela estava a lembrança, uma carta. Um jocker.


Por Bicalho, B.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Sobre pitangas




Todo mundo gosta de pitanga. Se alguém diz que não gosta é porque não provou, pois aprovo com toda certeza do mundo: Todo mundo gosta de pitanga. 
Entre o cinza da chuva e do fim da tarde, entre o verde da natureza lutando contra a estrada a partindo no meio, entre a pressa de chegar em casa e o tédio da viagem foi impossível não notar aquele vermelho, vivo e único. Eu tive que parar e juro que com chuva parece ainda mais saboroso arrancar uma do pé. Mas há um porém.
 Eu não gosto de pitanga.
 Certo, não é exatamente que eu não goste, eu só não como e não diria que é minha fruta favorita, sabe? O fato é que não é o tipo de coisa que me faria parar o carro e tomar chuva em uma estrada de Goiás.
 O segredo a respeito das pitangas é que eu não conseguiria pensar em mais ninguém além dela ao vê-las, mas mais especificamente no sorriso. Uau, que sorriso! Talvez eu nunca tenha expressado da maneira certa, mas eu adoro a maneira como ela sorri. Gosto de como move o corpo ao fazê-lo, como seus olhos brilham e como seu rosto cor de porcelana se tinge de coral quando nota o que eu a estou encarando. E encaro mesmo.
 Há algo sobre o sorriso dela que me tira o sossego, me tira o fôlego. É uma sensação de proteção, aquela risada, aquela alegria me contagia e me exibe um lado tão ingênuo e doce que se torna impossível acreditar que a portadora de algo tão lindo possa ter qualquer tipo de amargura na alma. Em contrapartida, também gera a vontade de proteger, proteger o sorriso dela, protege-la. Mantê-la a salvo em uma caixinha com toda ternura para que nunca deixe de sorrir, para que o mundo nunca tire dela esse riso que eu tanto amo.
 O fato é que quando ela sorri tudo parece escuro, ela ofusca a existência de qualquer mundo ao redor. Seu sorriso quando nos deitamos juntas, quando discutimos e nos perdemos em nossas próprias implicâncias tolas e fúteis, quando me deixa sem graça e quando o fica também, quando me tem, quando faz os piores trocadilhos do mundo que soam como os elogios mais doces...  Quando acorda ao meu lado, com aqueles olhinhos fechados e aquele rouco “bom dia benzinho” dito baixinho com todo sono do mundo.
 Ela me tem de uma maneira que eu nunca deduzi que teria, e o sorriso dela me prende da forma mais sutil e forte que poderia. Voluntariamente, por puro encanto.
 O fato é que todo mundo gosta de pitanga. Eu não gosto de comer pitanga. Eu gosto de vê-la sorrir e gosto de saber que eu sou o motivo daquele sorriso. Eu não gosto de pitanga.
 Ela gosta de pitangas...
 (E eu gosto dela!).


Por Helena Malaquias

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

De Dentro pra Fora



"...Pois bem, você vai aprender a me respeitar porque eu não sou moleque e nem te dou esse tipo de liberda... Ei, quem é essa simpática”. Paro por um momento para entender onde estou, como de costume, estava perdido nas minhas situações ideais. Eu já estava a algumas paradas mirando para um mesmo ponto, mas na verdade eu estava longe. Estava em um diálogo caloroso, gesticulando discreto, mas com fervor de quem fala o que pensa. Enquanto pensa. Noto que o ponto em que eu fitava na verdade a algum tempo já não está mais vazio.
“Eu não te conheço, mas poderia...”, há que mentira, a quem eu quero enganar, eu já nem consigo pensar direito, quem dirá pronunciar algo pra lhe chamar a atenção. “Chamar a atenção pra que, eu tô aqui olhando pra cara dela vai fazer um tempo...”, isso é verdade, eu estava fixado no rosto dela, sem reparar nisso. E a medida que o minha proclamação prosseguiu, junto com meu caminho, ela me notou e agora me sorri com ares de simpatia.
"Mas que ideia, se olha e pensa ”, quem em sã consciência perderia tempo de vida tentando falar comigo. Eu estava falando comigo, na ausência de alguém que o fizesse ”por que cargas d’agua ela perderia a oportunidade de ouvir suas músicas para falar comigo, “Mas e se ela falasse”, suponhamos que por ventura ela esteja tentando fazer contato, observe-a bem, “parece-me bem decidida, parece que faz coisas importantes” suponho até que esteja indo para o trabalho e eu, “eu tô indo pra universidade para”, ora, com essa cara de pau, vai falar que isso é lá algo importante, você entrou na segunda chamada. Isso eu não posso negar, e mais, meu histórico não deixa dúvidas de que esse é potencialmente o meu futuro novo fracasso, há, que bela piada eu sou. Não, não é um fracasso não! Mas claro que é, cair na real é o que me falta, eu nem tenho nada de útil a oferecer pra alguém tão importante como ela. Mas claro, ela desceu a um ponto atrás... Que? Sim, Como eu não vi. Não vi nem pra que lado ela foi, nem sei se respondi seu sorriso, tudo que eu sei é que... tá na hora de descer".




Por Lobo

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Jardins Suspensos


- Vai! Um sorriso bem bonito!

- Eu não sei.

- Não sabe o quê?

- Não sei sorrir - diz ele envergonhado. Afinal, sorrir para alguém é fácil. Difícil é sorrir para quem você gosta.

O espanto recai sobre essa morena, toda vestida de branco, e embaralha seus negros e belos cabelos semelhantes a um caracol. Um lugar úmido, porém aconchegante. Assim é o lugar, a praça, onde estão a sós. Ele e Ela. Duas almas perdidas, que se entreolharam a duas semanas num velho parque de diversões - algo atípico, principalmente pelo fato de ela ter 26 anos (atípico, pois estava sozinha!) e ele pouco mais que isso. Essa frase, "não sei sorrir", jamais foi ouvida por ela. "Por que uma pessoa nunca sorriu?"
- Bem, complementa o rapaz, eu já sorri. Mas não é uma coisa que eu goste muito de fazer (o que realmente quis dizer: - Não consigo sorrir normalmente para quem eu amo!)
- Infelizmente, se você realmente quer tentar algo comigo, você precisa sorrir... E quem sabe não acontece algo a mais?
Pronto, sorriu. Sem nem titubear, ou vacilar, ou pensar. Falou em beijo, com ele, não tem nem papo. Come até o pão que o diabo amassou por isso. E ao ver aquele sorriso semi-branco, com um frescor semelhante aos Jardins Suspensos num dia de chuva, com aquela terra molhada, que entra sem pedir licença, que apenas entra, e te molha, e te arde, e te aflora, e te gane, e te chama, e te mata, e te sufoca de tão bom que é, ela apenas chega mais perto; e mais perto; e ainda mais perto, até mesmo na condição de ver os olhos castanhos-amarelados dele, como um outono novo e velho ao mesmo tempo. E, quando paira a vontade, a ilusão, a decência de descer-lhe um beijo ácido, voraz, perigoso e esbaforante, olha para o canino superior esquerdo do semi-amante. Tenta, e tenta, e teima, mas não consegue. É superior a ela. É maior do que o desejo do beijo. E em um semi-ultra-mega-hiper-rápido microssegundo, ela fala, já pondo-lhe os dedos por sobre os lábios.
- Meu Deus! Que tártaro terrível!! Isso que dá se apaixonar perdidamente por uma dentista.


Por Humbert IV

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

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O Sorriso Dela


Vivo sujeito a uma angulação bem específica. Uma conformação de linhas e traços, entrecortados, que parecem calculada e minuciosamente arranjados para me trazer sofreguidão e sofrimento. Vivo nessa claustrofobia, fechado em seis planos e em três dimensões. Vejo carros passarem, fumaças verterem. Acompanho o Sol e a Lua, e a luz deles não me injetam a alegria, não me fotossíntetizam.
Vivo atrasado no tempo, embora sempre chegue adiantado. Vivo morto de fome, embora a angústia me faça comer mais do que deveria para manter um nível razoável de saturação lipídica no coração.
Tenho que me preocupar com o coração. Sou ansioso. Não, fui-me feito assim. Este maldito desenho, estreito, cor de pele, bem específico, logrou-me este despeitado estado de espírito que colou e não me deixa.
- Ah, maldito seja Deus! Pintou coisa tão...tão... Maldito seja. – E como um pêndulo, minha cabeça pende, negativamente.
A bem da verdade, não é a geometria do desenho que desafia a minha existência. É a falta dele. E o resquício que sua presença deixa na minha memória.
- Eu queria não ser capaz de lembrar das coisas. – Talvez assim me curasse.
Foi numa manhã como qualquer outra. Exceto pelo fato de ter sido completamente diferente. E, na verdade, não sei ao certo se foi de manhã, tendo em vista que passava do meio –dia. Bem, foi numa instância inter-matinal-vespertina. Foi no período de “kilo”, pós-almoço. No período da tristeza sonífera, naquele momento em que se quer tudo, menos tudo, a exceção de tirar uma soneca bem babenta.
Estava sentado, remoendo uma refeição mal feita, de tempero duvidoso, e preço que fazia meu bolso sentir fome.
Eu lia.
Qualquer coisa.
Lia sem ler, correndo palavras que não se articulavam em significados. Um desafio à semiótica.
Eu, exatamente, perambulava por parágrafos só pelo bem-estar de me esquecer de mim. E me lembro, que naquela época, eu me sentia confortável com isso.
Realmente confortável.
Daí, por razões que o Universo desconhece e as constelações conspiram em atávica e diabresca diversão. Sinto uma presença, um ponto de gravidade densificando-se no meu hemisfério esquerdo, e um cheiro gostoso, e um cruzar de pernas longilíneas, e...
E...
E para aumentar ainda mais esta conformação entrópica e estranha, e irregular, e indescritivelmente significativa, que Einstein, Galileu e Pitágoras falhariam em formular concretamente. Ocorreu uma explosão, um “Big-Bang” existencial, uma falha quântica, um Dejà-vu, algo para o qual desembocaram todos os meus passos e palavras não lidas, e para os quais todos os outros atos se projetariam dali em diante.
- Oi, ... – As reticências são meu nome, o qual não ouso repetir, e se repito, não sinto que haja dignidade, porque não é dito da mesma forma que naquela ocasião.
E, após isso...
A tal conformação geométrica, angular, descontínua, desenhado pelo mesmo traço que colocou Órion, Andrômeda e o Cruzeiro do Sul no firmamento.
Ali estava.
O sorriso dela.



Por Matheus Queiroz


domingo, 24 de novembro de 2013

Sorrisos


(Só) riso
Riso só
Riso

Sorriso
Som (riso)
Só (solidão) Sorrisão.

Ele vem sem pedir permissão, nos toma o rosto, revela covinhas, brilho nos olhos, sons de gargalhadas. Pode ser silencioso, daqueles de canto de boca, que surgem num encontro a dois, numa mesa, com o queixo apoiado pela palma da mão.
Pode "chegar chegando", levando embora o fôlego, o tônus muscular, as palavras.
E quando ele chega depois de desmoronarmos, ofegantes, na cama, ao lado "daquela" pessoa? Ahhh, é bom demais!!
Há, também, vezes em que ele vem acompanhado por lágrimas, que expressam o êxtase, o ápice da felicidade e da emoção, que acaba por não caber no peito e escorrer pelos olhos.

É tema de músicas, sinônimo de paz, de harmonia, de felicidade, mas... Quantas e quantas vezes, não sorrimos para disfarçar nossa tristeza? Quantos dias não passamos com Ele no rosto, e, ao chegarmos em casa, no aconchego e silêncio de nossos travesseiros, desmoronamos, somos completamente tomados pelas lágrimas e aflições que a vida acaba por nos trazer? Nessas horas, as memórias que ficaram gravadas em nossas mentes e corações, onde o sorriso marcou presença, se tornam cada vez mais intensas e dolorosas.
Mas, tentemos ver o lado bom: Quando conseguimos superar essas dores trazidas pelas memórias de momentos felizes que se foram, o sorriso volta à nossa face, intenso, brincalhão e iluminado!!

Que tal paramos para pensar nos diferentes tipos de sorrisos e nas coisas que eles são capazes de revelar?
Tímidos, escandalosos, sarcásticos, sedutores, banguelos, "de comerciais de pasta de dente", de aparelho ortodôntico, de chupeta, com barba, sem barba, com batom, com gloss, com salsinha entre os dentes... Sorrisos são sempre sorrisos, e sempre são altamente contagiosos, principalmente quando vêm acompanhados daquela gargalhada deliciosa e alta, que é impossível simplesmente manter a "pose".
O mundo precisa de mais sorrisos, de mais gente que dê maior importância ao momento do que à estética!
Vamos sorrir, gente!! Vamos viver os momentos.

Encarar a vida, é, de fato uma tarefa muito complicada, mas, garanto que, com uma bela dose de alegria recheada de sorrisos, fica mais leve, mais divertido, mais gostoso!

Espero, queridos leitores, ter conseguido deixar com vocês, nessa minha primeira semana, uma mensagem boa, que os conforte e os faça voltarem mais e mais vezes, acompanhar meus textos e se sentirem parte deles!





Por Gabriela Frota